Por que os “apócrifos” não são inspirados por Deus nem fazem parte do cânon cristão nem do Tanakh judaico?
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Este livro não é inspirado por Deus e não faz parte do cânon cristão nem do Tanakh judaico. É exibido apenas para fins históricos e de estudo. Ver explicação completa.
Resumo em 7 ideias (TL;DR)
- O Tanakh judaico (Lei, Profetas e Escritos) foi encerrado na Antiguidade; os livros chamados “apócrifos/deuterocanônicos” jamais fizeram parte desse cânon.
- Jesus e os apóstolos confirmam essa tripla divisão (Lucas 24:44) e nunca citam os apócrifos como “Escritura” com fórmulas do tipo “está escrito”.
- Fontes judaicas antigas (por ex., Josefo) falam de um cânon fixo e afirmam que cessou a sucessão profética após Malaquias/Esdras; vários apócrifos reconhecem que não há profetas em sua época (1 Macabeus 4:46; 9:27; 14:41).
- Critérios cristãos antigos (apostolicidade, ortodoxia, antiguidade, uso universal) não são satisfeitos pelos apócrifos.
- Auto-testemunho: alguns apócrifos não reivindicam inspiração e até pedem indulgência por erros de estilo (2 Macabeus 15:37–39).
- História da Igreja: foram lidos como edificantes, porém distintos da Escritura; Jerônimo os coloca “fora do cânon”. Várias listas antigas divergem; Roma os declara canônicos em Trento (1546); as Igrejas ortodoxas usam listas não idênticas entre si; as Igrejas cristãs os excluem.
- Conclusão prática: são valiosos para história e contexto do período intertestamentário, não para doutrina como norma de fé.
1) Definições e escopo
- Tanakh (Bíblia hebraica): coleção tripartida aceita pelo judaísmo: Torá (Lei), Nevi’ím (Profetas), Ketuvím (Escritos).
- Apócrifos / Deuterocanônicos: escritos judaicos do período intertestamentário, preservados sobretudo em grego (Septuaginta). Entre eles: Tobias, Judit, Sabedoria, Eclesiástico (Sirácides), Baruc, 1 Macabeus, 2 Macabeus, adições gregas a Ester e Daniel, etc.
- Pseudepígrafos: outros escritos antigos (p. ex., 1 Enoque) que nunca estiveram nas listas canônicas judaicas nem cristãs padrão.
Nota terminológica: “apócrifo” costuma ser usado na tradição protestante; “deuterocanônico” na tradição católica para livros aceitos em um “segundo” momento do processo canônico.
2) O cânon do Tanakh e por que os apócrifos não entram
2.1 Testemunho bíblico e judaico
- Jesus alude à Lei, aos Profetas e aos Salmos/Escritos (Lucas 24:44), refletindo a estrutura do Tanakh.
- Mateus 23:35 (“de Abel até Zacarias”) sugere limites da história sagrada conforme a ordem hebraica, não incluindo o período intertestamentário.
- Romanos 3:2: “Aos judeus foram confiados os oráculos de Deus”, o que implica que a comunidade judaica sabia quais livros eram oráculo de Deus.
2.2 Cessação profética e autoconsciência nos apócrifos
Várias passagens dentro dos apócrifos reconhecem que não há profetas nesse tempo:
- 1 Macabeus 4:46: guardam pedras do altar “até que se levantasse um profeta”.
- 1 Macabeus 9:27: “Grande tribulação… como não se havia visto desde que não apareceram profetas”.
- 1 Macabeus 14:41: decisões “até que surgisse um profeta fiel”.
Se não há profetas, não há inspiração profética que acrescente livros ao cânon judaico. Por isso o Tanakh não os incluiu.
3) Uso de Jesus e dos apóstolos: autoridade da Escritura
- O Novo Testamento cita centenas de vezes a Escritura com fórmulas como “está escrito”, sempre com referência à Bíblia hebraica.
- Embora o Novo Testamento possa aludir à literatura judaica extra-bíblica (p. ex., Judas 14 alude a 1 Enoque), nunca a canoniza.
- Conclusão: o padrão apostólico de autoridade não legitima os apócrifos como Escritura.
4) Critérios cristãos antigos de canonicidade
- Apostolicidade ou proximidade profético-apostólica: autor apostólico ou círculo próximo (para o Novo Testamento) / voz profética (para o Antigo Testamento).
- Ortodoxia doutrinária: consonância com a regra de fé.
- Antiguidade: origem na era profética (Antigo Testamento) ou apostólica (Novo Testamento).
- Uso universal: recepção ampla e contínua pelo povo de Deus.
Problemas frequentes nos apócrifos:
- Falta de pretensão de inspiração e reconhecimento de limites (2 Macabeus 15:37–39).
- Doutrinas em tensão com o ensino claro da Escritura canônica (p. ex., Tobias 12:9; Eclesiástico 3:30 sobre a esmola “que apaga pecados”, versus justificação e expiação no Novo Testamento).
- Anacronismos ou dificuldades históricas (p. ex., Judit chama Nabucodonosor de “rei da Assíria”).
- Paternidade duvidosa/pseudônima (p. ex., Sabedoria atribuída a Salomão por sua voz, mas de composição bem posterior).
5) Por que aparecem em algumas Bíblias?
- A Septuaginta (LXX), tradução grega muito usada entre judeus helenistas e cristãos, circulou com coleções que incluíam esses livros.
- Pais da Igreja: às vezes leem e citam para edificação; outros os distinguem da Escritura (p. ex., Jerônimo, Prólogo Galeato, os coloca “fora do cânon” embora úteis para leitura).
- Listas antigas (Melitão de Sardes, Atanásio, catálogos regionais) não coincidem plenamente.
- Concílios regionais (Hipona 393; Cartago 397/419) incluíram deuterocanônicos em contextos pastorais locais.
- Concílio de Trento (1546) na Igreja Católica define como canônica a maioria dos deuterocanônicos.
- Igrejas ortodoxas mantêm listas não idênticas entre si (p. ex., 3 Macabeus, Salmo 151, etc.).
- Tradição protestante (Reforma): os edita à parte como “livros bons para ler”, não normativos para doutrina (Artigo VI dos Trinta e Nove Artigos anglicanos).
6) Objeções frequentes e respostas breves
Acaso os códices antigos (Vaticanus, Sinaiticus, Alexandrinus) não os incluem?
Sim, trazem coleções amplas baseadas na Septuaginta, mas a presença em um códice não equivale a reconhecimento canônico uniforme. Os mesmos códices trazem anexos que ninguém hoje considera canônicos (p. ex., 1–2 Clemente).
Alguns Pais não os usaram?
Sim, para edificação; porém houve distinção reiterada entre “livros canônicos” (normativos para doutrina) e “eclesiásticos/edificantes”.
Jâmnia/Yavne “fechou” o cânon?
É melhor falar de processo rabínico após o ano 70 d.C. que confirma um cânon já recebido; não há evidência de um “concílio” formal que tenha acrescentado ou retirado livros então.
Judas cita 1 Enoque: isso não prova que outros livros extracanônicos podem ser inspirados?
Citar ou aludir não implica canonizar (Paulo cita poetas pagãos sem convertê-los em Escritura). Judas usa um testemunho conhecido para ensinar uma verdade, não para canonizar1 Enoque.
7) Evidências internas nos apócrifos que apontam não-inspiração
- Reconhecimento de ausência de profecia em sua época: 1 Macabeus 4:46; 9:27; 14:41.
- Confissão de limitações: 2 Macabeus 15:37–39 (o autor pede indulgência por possíveis defeitos).
- Doutrina em tensão com o restante da Escritura:
- Esmola que “apaga” pecados (Tobias 12:9; Eclesiástico 3:30) vs. obra expiatória de Cristo e justificação pela fé.
- Oração pelos mortos (2 Macabeus 12:45–46) vs. ausência de base no cânon hebraico e ensino do Novo Testamento sobre juízo.
- Problemas históricos (p. ex., Judit e Nabucodonosor como rei da Assíria).
Esses sinais não desqualificam seu valor histórico ou devocional, mas sim seu uso doutrinário como norma de fé.
8) Conclusão
- Judeus: nunca incorporaram os apócrifos ao Tanakh porque não pertencem à época profética nem cumprem os critérios de “oráculo de Deus”.
- Cristãos evangélicos: seguem o cânon de Jesus e dos apóstolos (Lucas 24:44; Romanos 3:2), aplicam critérios patrísticos de canonicidade e distinguem entre leitura útil e inspiração.
- Uso atual: acrescentam contexto histórico (período intertestamentário, Macabeus, piedade judaica tardia), mas não fundamento doutrinário.
9) Passagens-chave para incluir (com citações completas se precisar)
- Lucas 24:44 — Jesus valida a Lei, os Profetas e os Escritos.
- Romanos 3:2 — “A eles foram confiados os oráculos de Deus.”
- Mateus 23:35 — “De Abel até Zacarias”, limites históricos do Antigo Testamento hebraico.
- 1 Macabeus 4:46; 9:27; 14:41 — Reconhecimento da ausência de profetas.
- 2 Macabeus 15:37–39 — Auto-testemunho de não-inspiração.
- Tobias 12:9; Eclesiástico 3:30 — Esmola e remissão de pecados (tensão doutrinária).
- 2 Macabeus 12:45–46 — Oração pelos mortos (prática demoníaca).
- Hebreus 1:1–2 — Deus fala por profetas e finalmente no Filho.
(Se quiser, envio as citações completas na sua versão preferida para colar tal como estão.)
10) Referências históricas clássicas (para notas de rodapé)
- Josefo, Contra Apião 1.8 (sobre 22 livros sagrados).
- Jerônimo, Prólogo Galeato (distinção canônico/eclesiástico).
- Carta Festal 39 de Atanásio (lista do Antigo Testamento e livros lidos “para edificação”).
- Concílio de Trento, Sessão IV (1546).
- Trinta e Nove Artigos (Artigo VI, tradição anglicana: “livros para serem lidos… mas não para estabelecer doutrina”).